domingo, 26 de outubro de 2008

Vivendo Zen

Viver Zen não significa se retirar do mundo. Ao contrário, significa ser devolvido ao mundo, com um novo olhar, uma nova percepção. Viver Zen é descobrir novas luzes em tudo que fazemos, por meio da satisfação da consciência plena.

No Zen, o maior milagre é sentar-se em silêncio consigo mesmo e simplesmente perceber que as coisas são como elas são, como realmente são. Isso faz a vida ser suficiente. Talvez, fosse o que o inspirado apóstolo Paulo de Tarso quisesse nos dizer quando afirmou "Aprendi a contentar-me com o que tenho".

Se não conseguimos descobrir o sentido da vida num simples ato da nossa rotina diária, como, por exemplo, lavar pratos, certamente, este sentido não será descoberto em lugar algum, pois aquilo que é aparentemente finito-comum está cheio do infinito-divino.

Vivemos sob a égide de opostos, aparentemente antagônicos: falso-verdadeiro, finito-infinto, aceitação-rejeição, vida-morte, ódio-amor, etc. E não nos damos conta de que essa aparente polarização ou dualidade é apenas uma faceta da unidade. Uma unidade que permeia tudo e todos, e torna os opostos complementares.

Neste sentido, a experiência direta - do tipo "faça você mesmo" - pode conciliar em nós a aparente contrariedade dos opostos que a vida nos apresenta. Para isso, é preciso viver a plenitude de cada momento, sem expectativas. Viver cada minuto, cada hora, cada dia, como se fosse o último: esse o segredo do viver Zen.

E isso ocorre quando compreendemos que o tempo é meramente uma ilusão. A preocupação com a noção de tempo (hoje, amanhã, ontem) dá início a uma prática egoísta. Passamos a viver das experiências acumuladas na memória, por meio de comparações, expectativas e ansiedades. Não conseguimos observar a natureza real das coisas, sem pré-julgamentos e nem preconceitos. A partir daí nasce o sentimento de separatividade, de diferença entre nós, os outros e as coisas que nos rodeiam. Esse é o mundo da mente-ego, geradora da ilusão da Matrix que nos aprisiona na roda viva do Carma.

Quando nos libertamos dos grilhões dessa falsa percepção do tempo, e passamos a viver o momento presente – aqui e agora – surge então o reto agir, fluindo sem obstáculos, levando-nos sempre adiante e transformando nossas vidas em instantes de beleza e bem-aventurança. Esse é o estado que o mestre Shunryu Suzuki denomina de mente de principiante, a mente em sua pureza original, livre dos reflexos e hábitos milenares do ego.

Somente assim, saboreando intensamente a beleza presente em cada instante, nos tornamos nós mesmos. E isso não é uma prática fácil, devido aos condicionamentos milenares, herdados do ego. É preciso um grande esforço. No entanto se formos perseverantes e disciplinados, sem desejos a alcançar e sem renúncias a fazer, dia virá em que essa percepção se estenderá a todos os momentos da nossa vida, e não apenas durante a meditação.

Isto ocorre porque o ego se esvai a medida que a consciência se torna plena do agora. Observar continuamente a atuação do ego no palco do dia a dia é um grande antídoto contra a ilusão, uma grande prática para viver Zen. Quem está com raiva? Quem está angustiado? Quem está feliz? Quem deseja isso? Quem se alegra com esse elogio? Quem sou eu? A observação de sentimentos e pensamentos leva ao enfraquecimento da ação do ego sobre nossas vidas, na medida em que já não agimos mais de forma inconsciente, ao sabor das ondas do impulso e do desejo. Tomar consciência da existência do ego significa o início da sua absorção pelo Ser, já que em todas essas situações a testemunha ou observador é o próprio Ser.

Outro exercício importante, muito utilizado na meditação zen (zazen), é sentar-se com a coluna ereta, de olhos fechados, semicerrados ou abertos, e prestar atenção na energia vital fluindo através do corpo.

Isso se explica pelo fato de que uma das formas mais básicas do ego é a identificação do ser humano com seu corpo. Portanto, o hábito de sentar e observar a energia vital que flui em todas as partes do corpo (pernas, braços, abdômen, tórax, etc.), curiosamente, de forma paradoxal, faz com que a pessoa, pouco a pouco, deixe de se identificar com a forma (corpo e mente), e comece a perceber que sua essência transcende o mundo da mente-ego.

À medida que isso ocorre, insights diários, provocados pela dimensão divina, que sempre esteve presente em nós, vão dissipando as brumas da ilusão do ego, guiando-nos em direção à plenitude do vazio, ao sem forma, ao Ser, à essência divina que realmente somos. Tomar consciência do corpo, durante a meditação e também ao longo do dia, não apenas nos ancora no momento presente, como também é uma passagem para fora da prisão do ego.

Isto é viver Zen.