segunda-feira, 29 de março de 2010

O tempo e a plena atenção


Há uma dicotomia no tempo: de um lado, acreditamos em sua existência, e de fato, na dimensão física não podemos dele escapar; de outro lado, é uma ilusão, pois o que verdadeiramente existe é única e exclusivamente o momento presente. O momento que passou, chamado de passado, foi, naquele instante, somente um momento presente. E o momento que virá, chamado de futuro, será, no instante em que ele ocorrer, apenas um momento presente. Em verdade, o que existe é somente um eterno presente.

É a mente que nos trai, fazendo-nos acreditar que o agora se divide em passado, presente e futuro. Na dimensão física, a mente-ego coloca o suceder dos fatos em uma linha temporal seqüencial, dando-nos a impressão de que o tempo existe, mas tudo não passa de uma mera ilusão cognitiva.

Já no espaço de consciência profunda, onde reside o fulcro da vida, chamado de Ser interior ou Essência divina, estamos interconectados a tudo e a todos, de tal forma, que não existe tempo, nem tampouco espaço. À semelhança dos interstícios quânticos da matéria infinitesimal, onde as partículas se deslocam de um ponto a outro, sem, contudo, se deslocarem no espaço, o Ser na dimensão quântica integra-se a tudo que existe na dimensão física. Não existe ali separatividade e o verbo ser é somente conjugado no presente: Tudo é!

Aliás, a face tridimensional da vida é um pálido reflexo da dimensão divina do homem. Centro gerador da vida, o Ser é o próprio universo apreciando a si mesmo através da mente-ego.

Não é que o tempo seja ruim. No aspecto tridimensional em que vivemos, onde precisamos de um corpo físico para nos manifestar, tanto a mente quanto o tempo por ela produzido são importantes para lidarmos com os aspectos práticos da vida cotidiana. Neste sentido, Dogen, grande mestre zen budista e um dos maiores sábios que já passou pelo planeta Terra, nos diz: "Tudo é impermanente e o tempo passa rapidamente. Não desperdice sua vida em vão".

Assim, o tempo na vida tridimensional é importante para os aspectos práticos do cotidiano, mas não é o essencial. Com disciplina, podemos aprender a tirar proveito de cada instante vivido, pautando nossa caminhada na vida física por meio da plena atenção. Este o verdadeiro sentido de se aproveitar bem o tempo: viver a plenitude do momento presente.

São extraordinários os efeitos transformadores da plena atenção. Quando estivermos no olho do furacão, onde tudo e todos parecem estar contra nós, experimentemos cortar o circuito febril da mente, e focar a atenção no instante presente.

A plenitude do momento presente aquieta a mente, que teima em nos levar do passado ao futuro nas asas da ansiedade, do medo, da aflição. Ancorados no agora, abrimos mão das artimanhas do ego em querer manipular situações e pessoas, como um pássaro em pleno vôo, perseguido pela águia, abre o bico e deixa o desejado alimento cair. Assim como a águia desiste do pássaro e voa em direção ao alimento em queda livre, a mente, sob o influxo da plena atenção, desiste do seu alimento natural: a inquietude do pensar. O pássaro ao se desapegar do alimento ganha para si a liberdade de voar em um céu pleno de paz. A mente desapegando-se da ansiedade, alimento do futuro e da recordação, alimento do passado, encontra na plenitude do presente a porta de acesso à dimensão do Ser.

Viver o instante presente é ser uno com tudo e todos; sujeito é objeto, objeto é sujeito; sujeito é sujeito; não existe mais dualidade, nem separação; ao contrário, a mente descansa docemente, pois cessaram os desejos, frutos da ansiedade, do medo pelo vir-a-ser, da recordação do que já se foi.

Sentir o contentamento do chão sob a sola dos pés; a felicidade da água escorrendo sobre a pele; os infinitos matizes de sabores do alimento; a sinfonia da voz nos falando; a gentileza da voz que fala.

Caminhar, caminhando. Apenas tomar banho. Comer, comendo. Ouvir, ouvindo. Falar, falando. Cada ação está contida na ação. Sem interesses ou desejos escondidos nas dobras do tempo. Apenas os minutos fluindo, sucessivamente, um após o outro, continuamente, como um rio em direção à plenitude do mar.

Plena atenção é cessar o movimento febril dos pensamentos que como ondas de ilusão turvam a superfície da realidade. Para no momento seguinte, perceber, no fundo do lago da vida, o próprio universo pulsando, e nele reconhecer a si mesmo.