domingo, 24 de maio de 2009

As quatro nobres verdades e a crise financeira mundial


Há dias tenho observado uma crescente tensão no rosto de um colega de trabalho. Contumaz investidor na bolsa de valores, a cada notícia de queda acentuada no valor das ações, a impaciência e a angústia se fazem notar não apenas em sua fala e atitudes, mas principalmente no seu semblante.

Assim como ele, milhões de pessoas no mundo inteiro sofrem os efeitos dessa “quebradeira” geral de instituições financeiras que se especializaram em ganhar com especulações e acabaram tornando-se vítimas de sua própria armadilha. Essa instabilidade geral nos mercados financeiros é a expressão daquilo que Zygmunt Bauman, sociólogo polonês radicado na Inglaterra, chama de Modernidade Líquida.

A liquidez que domina a vida moderna expressa a mais absoluta instabilidade que rege o mundo das formas físicas, onde tudo é transitório, efêmero, fugaz e impermanente, incluindo-se nesse rol, nos dias atuais, até mesmo as relações humanas. No caso da desvalorização de ações, organizações tidas como sólidas e duradouras desmancham-se da noite para o dia, tirando o sono de milhares de acionistas. O moderno computador de hoje torna-se ultrapassado daqui a poucos meses. O relacionamento que se iniciou, muitas vezes baseado nos atributos da beleza física, termina com o passar do tempo em razão do envelhecimento do corpo. Em um mesmo ano as montadoras lançam mais de um modelo do mesmo automóvel, frustrando os consumidores que adquirem um carro novo no início do ano. Troca-se de namorado(a), esposo(a) ou parceiro(a) como se troca de roupa, de acordo com a conveniência da situação ou em decorrência da perda do encanto do primeiro encontro.

O fenômeno é tão marcante e de tal forma seduz a personalidade humana, que provoca a exacerbação do consumismo, a níveis nunca antes vistos. Ninguém quer ficar fora da moda, do que é novo, mesmo que para isso tenha de trocar de carro duas vezes no mesmo ano, e continuar morando de aluguel.

O fato é que essa impermanência, habilmente urdida pelo ego nas tessituras da mente, e por isso mesmo estimulada pela ambição dos que detêm o poder no mundo, acaba gerando no ser humano um desejo incontrolável de sempre querer mais.

É assim, que a mente-ego funciona. Atrás de um desejo saciado, surge sempre um novo desejo, pronto para manter acesa a chama da insatisfação humana. E ao sabor das ondas desse feroz oceano de desejos, o homem sofre ao viver uma vida limitada, imposta pela tirania da ilusão provocada pelo ego. Em decorrência de tudo isso, abate-se sobre ele o efeito avassalador do sofrimento, da angústia, da depressão, da falta de sentido para a vida.

Existirá uma alternativa para esse estado de coisas? Estaremos condenados ao sofrimento ou existe uma possibilidade de sermos felizes, de fato?

Ao que parece sim. O Poder Criativo do Cosmos, sempre atento às necessidades humanas, de séculos em séculos, permite o surgimento na Terra de seres iluminados, que à maneira de estrelas-guia, brilham no céu da escura noite das vicissitudes humanas, indicando o rumo para a felicidade.

Um desses seres, o Senhor Buda, há mais de 2.500 anos atrás, na Índia antiga, para regozijo da esperança, apontou-nos um caminho de libertação do sofrimento provocado pela impermanência que permeia o mundo das formas.

Ele abordou a questão ensinando-nos quatro nobres passos ou verdades, cuja compreensão são imprescindíveis para quem deseja trilhar o caminho para libertação da dor. O primeiro deles é reconhecer que o sofrimento existe. Que significa isso?   Antes, cabe aqui uma pergunta de ordem ontológica: Quem realmente sofre? O ego ou o Ser? Quem é ao mesmo tempo causador e vítima desse sofrimento?

Buda percebeu que a vida, da forma como a experimentamos, ou seja, da maneira que a vivenciamos por meio da mente-ego, é frustrante, insegura, instável, e por isso mesmo gera sofrimento.  Quem pode dizer com honestidade quantas vezes ao dia se sente verdadeiramente feliz, independentemente de qualquer coisa, pessoa, fato, palavra, pensamento ou ação? Para Buda, o nível de existência que a maioria de nós vive é superficial, e nele dukkha reina soberanamente.

Dukkha é um termo normalmente traduzido como sofrimento, dor, mas quando era utilizado na língua Páli (língua falada à época do Buda) tinha também “o significado de rodas cujos eixos estavam fora dos centros” [1]. Assim, o homem atual vive uma vida deslocada, fora de centro. Existe algo de errado com a roda do nosso modus vivendis que  está descentrado por ter seu eixo focado na impermanência, ou seja, giramos a vida em torno de um pivô que não é real, e isso provoca fricção excessiva (conflitos internos), bloqueando o movimento (criatividade) da existência, o que acaba por gerar o calor da dor. 

Buda também identifica os seis momentos da vida em que esse deslocamento da existência se evidencia: 1- o trauma do nascimento que se torna a semente da ansiedade que brotará ao longo da existência, nos instantes em que nos sentimos ameaçados e somos submetidos a dolorosos sentimentos e descargas de excitação e sensações físicas; 2- a patologia da doença que desvela a realidade contundente da impermanência do corpo humano; 3 – a morbidez da decrepitude que gera todos os medos presentes nos anos finais da vida (medo da dependência financeira, medo de não ser amado, medo da doença, da dor, medo da decrepitude física e de se tornar dependente dos outros, medo de avaliarmos nossa vida como um fracasso); 4 – a fobia da morte  propiciando  o surgimento no homem de um quase terror, que acaba maculando a vida sadia; 5 – estar preso àquilo de que não se gosta, acarretando um martírio para o homem até o final da sua vida física (uma doença incurável, um defeito físico ou de caráter, etc.); 6 – estar separado daquilo que se ama.

Todas essas situações se configuram na Matrix que aprisiona o homem com os grilhões do sofrimento, e faz a dor tomar consistência quase palpável e real diante do equivocado olhar ilusório com que encaramos a vida. Assim, o primeiro nobre passo no caminho da libertação, nos mostra duas dimensões profundas do sofrimento.

Na primeira, compreendermos que por mais que se consiga o objeto do desejo, a felicidade ou prazer da conquista não perdura por muito tempo. Todo prazer acaba, deixando na boca aberta da rotina diária a sede por sua renovação. Assim, na dimensão da Matrix (mente-ego) sempre que o homem buscar nas coisas exteriores uma satisfação duradoura a impermanência vai assegurar a presença de dukkha, e com ela o sofrimento, mostrando-nos que estamos deslocados, fora do centro da harmonia universal.

A segunda dimensão revela que não apenas o mundo das aparências ou da experiência diária é impermanente, mas também nós, enquanto mentes-ego que estagiam nesse mundo, também somos. Esta é uma questão central na compreensão do caminho que liberta o homem do sofrimento. Buda nos mostra que aquilo que normalmente chamamos de nosso “eu”, que Martin Heidegger, filósofo existencialista alemão, chamava de ser-no-mundo, e que aqui denominamos mente-ego, em verdade não passa de um ente em constante mutação, impermanente, composto de cinco elementos que ele chamou de skandhas: - corpo, sensações, percepções, tendências de disposição e consciência. A única saída é desenvolvermos a compreensão correta de quem realmente somos: essências divinas eternas, unas com o Poder Criativo, e portanto imunes à impermanência do mundo das formas. 

Sabemos que a mente-ego, para existir, precisa se identificar com algo, e, portanto, em seu esforço pela identificação com os cinco skandhas que são impermanentes, efêmeros, transitórios, acaba não se realizando, e daí nasce a busca desenfreada pela satisfação dos desejos, origem de todo o sofrimento. Não percebemos que o mundo das formas é vazio, ou seja, não possui existência por si mesmo, sendo totalmente dependente da percepção do ego. 

Para Buda esses cinco componentes de apego que compõem a mente-ego também são dukkha, e o homem, ao se identificar e acreditar na existência real desses skandhas, permite que sua existência seja levada de roldão por um redemoinho de automatismos e condicionamentos, que poucos compreendem. Até que cesse a ignorância acerca de quem realmente somos, e descubramos o Ser interior, ficaremos privados da verdadeira alegria de viver.

Esse o problema dos investimentos nas bolsas de valores que trazem ciclos de expectativas e frustrações a milhões de pessoas no mundo inteiro. A tal crise financeira que origina o sobe e desce dessas bolsas nada mais é do que a mostra inequívoca da existência da impermanência. O problema não está nas condições estruturais de bancos e organizações financeiras, como nos querem fazer acreditar os economistas, mas sim na crença de que essas estruturas, inclusive o próprio mercado financeiro, são reais, sólidas. Até por que, partindo do pressuposto de que todo esse sistema mundial foi arquitetado pelo homem, pode-se perguntar: - Como pode o ego, por meio dos seus cinco agregados impermanentes (corpo, sensações, percepções, tendências de disposição e consciência), ser capaz de criar algo permanente, duradouro?

Neste ponto, surgem outras perguntas importantes: - Afinal de contas, quem é o investidor? Quem fica eufórico com o ganho? Quem fica frustrado, infeliz, deprimido com a perda? A saída é deixar de aplicar na bolsa, ou compreender de fato quem somos?

Compreender a diferença entre ego e Ser, e o fato de que somos algo permanente, que transcende os limites do ego pensante e do binomio tempo-espaço, que é imune às variações de humor da vida, tais como alegria e tristeza, é fundamental para recuperarmos o equilíbrio e a harmonia de viver.

E para isso, Buda nos diz que precisamos ir ao cerne do problema, ou seja, conhecer a causa dessa ferida de nascença, chamada dukkha, que tanto atormenta o ser humano, deslocando sua vida e roubando-lhe a felicidade. Este é o propósito do segundo nobre passo do caminho, que veremos no próximo post.


[1]  SMITH, Huston; NOVAK, Philip. Budismo – Uma Introdução Concisa. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix LTDA, 2ª edição, 2007, p.42.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Esvaziar-se

Um professor universitário visitou Nan-in, o mestre zen, para perguntar sobre o zen. Contudo, em vez de ouvir o mestre, o professor se limitou a falar sobre as próprias idéias. Depois de ouvi-lo por um tempo, Nan-in serviu chá. Encheu a xícara do visitante e continuou a servir o chá. O líquido transbordou, encheu o pires, caiu nas calças do homem e no chão.

– Não está vendo que a xícara encheu? – explode o professor. – Não cabe mais nada!

– Isso mesmo. – responde calmamente Nan-in. – Tal como essa xícara, você está cheio de suas próprias idéias e opiniões. Como poderei mostrar-lhe o zen se você não esvaziar sua xícara primeiro?

Assim como o professor universitário do conto acima, vivemos cheios de teorias e explicações sobre a vida. Acreditamos que conhecer aquilo que está fora de nós nos levará ao encontro com a verdade, e por isso mesmo nos empenhamos em acumular conhecimento intelectual acerca do mundo exterior que nos cerca. 

Transformamos nossas vidas em um eterno questionar do intelecto, em uma busca febril por coisas que satisfaçam a nossa sede de desejos. Queremos respostas prontas e travamos intermináveis reflexões, que supostamente nos levarão à verdade. Passamos a vida correndo atrás de objetivos: - o curso superior, o mestrado, o doutorado, a casa própria, a família, o seguro de vida, o carro do ano, o posto mais alto no trabalho, a fama, o reconhecimento, a casa de campo, as férias no nordeste do Brasil, o natal na Europa, a viagem à Índia em busca de sabedoria, a boa aposentadoria, a herança para os filhos e netos, etc, etc. E ao final da vida percebemos que envidamos tanto esforço para chegar a lugar nenhum. Reconhecimento e valorização são para nós metas inadiáveis, e quando não as obtemos sofremos. 

Devido ao excesso de erudição e conhecimento acreditamos que somos os donos da verdade. Queremos explicar tudo pela ótica do intelecto, mesmo as questões de cunho espiritual, e acabamos nos tornando inconvenientes nos ambientes socais, por não sabermos ouvir e aceitar opiniões diferentes das nossas. 

Enredados nessa confusão mental e emocional tramada pelo ego, esquecemo-nos de que em verdade não precisamos de nada, pois já temos o universo inteiro, dentro de nós. Não percebemos que a noção de um eu próprio, separado das coisas e pessoas que nos rodeiam, é exatamente a origem de toda ilusão, de todo o sofrimento. Onde existe sofrimento, aí existe uma idéia de um “eu” separado, aí existe um ego que deseja atingir algo na linha do tempo, aí existem desejos e a busca por um vir a ser. 

Não há nada de mais em utilizarmos as coisas e oportunidades que a vida material nos oferece. O problema está em fazermos delas uma extensão de nós mesmos, acreditando que elas são a realidade última da nossa existência. Isso gera sentimento de posse, e como tudo que nos rodeia é transitório, impermanente, acabamos por sofrer, quando o objeto do nosso desejo acaba, pois o apego oriundo do ego nos faz acreditar que perdemos parte de nós. Aí então sentimos dor. 

É por isso que o mestre Nan’in, em sua sabedoria profunda, aconselhava-nos a esvaziar a nossa mente, ou seja, passarmos a enxergar a vida como uma criança, que não possui nenhum pré-conceito ou idéia pré-concebida sobre nada. Talvez fosse isso o que o Mestre Jesus quisesse nos dizer quando afirmou: “Deixai que venham a mim as criancinhas e não as impeçais, porquanto o reino dos céus é para os que se lhes assemelham”. Se considerarmos que o reino dos céus é a natureza búdica, então, a percepção direta do Ser Interior somente virá quando transcendermos a natureza da mente prática, com todo seu conteúdo já estruturado de memória. 

O mestre Zen Shunryu Suzuki chamava isso de mente de principiante, isto é, olhar as coisas como de fato elas são, como se fossem vistas pela primeira vez, sem o pano de fundo de nossas memórias, sem o pré-julgamento de todo o conhecimento e cultura acumulados em nossa mente ao longo dessa e de outras vidas passadas. 

Sabemos que a realidade que nos rodeia é construída a partir da interpretação do cérebro físico/espiritual,  com base nos arquivos de nossas experiências anteriores,acumuladas através de estímulos exteriores captados pelos cinco sentidos físicos. Quando estamos diante de uma árvore, em frações de segundos o cérebro compara a silhueta do vegetal com seus registros e a resposta é imediata: aquilo é uma árvore. Aí começa a atividade mental. Passamos a conjecturar sobre o nome do vegetal, sua altura, espécie, textura e cor das folhas, formato dos galhos, sobre a emoção sentida na juventude quando demos o primeiro beijo do namoro debaixo da sua copa frondosa, sobre a quantidade de lenha que poderia produzir caso seja cortada por ocasião da chegada do inverno, etc. Toda essa reflexão febril encobre a percepção real da árvore. Perdemos a beleza do momento presente de apenas apreciarmos aquele ser vegetal, sem atribuição de nomes ou qualquer outro tipo de idéia ou pensamento comparativo. 

Portanto, esvaziar é aprender a morrer para toda a ilusão acumulada pela memória da mente prática, a mente superficial. Não é que essa memória seja ruim. Ela tem uma função de praticidade na vida material, que nos permite desempenhar as atividades do dia a dia. Porém, essa mesma memória não tem nenhuma utilidade do ponto de vista espiritual, e seu domínio sobre nós pode estreitar a percepção acerca da nossa realidade última. 

É por isso que grandes mestres como Buda e Krishnamurti nos alertaram sobre a necessidade da vacuidade, de esvaziarmos a mente para que seu conteúdo não restrinja a liberdade de sermos o que somos em essência: natureza búdica. 

É preciso alertar porém, que a reflexão realizada neste post também é racional, e como tal não nos levará à verdade última. Palavras, raciocínio e intelecto são apenas tentativas do ego em explicar a verdade. Verdade esta que cabe a cada um de nós experimentar por si mesmo. Opiniões e conclusões fazem parte de uma camada superficial da mente. Por isso, precisamos abrir mão dessa veia interpretativa da realidade, com base na memória, e irmos além, visualizando e aceitando as coisas como elas de fato são, a fim de mergulharmos na vacuidade do Ser. Para isso é necessário praticarmos o esvaziamento da mente por meio da plena atenção, não somente durante o zazen, mas em todos os instantes da nossa vida. 

Como então esvaziar a mente? Se decidirmos reprimir os pensamentos, não lograremos êxito, pois quando menos se espera eles surgem novamente e voltamos à estaca zero que é o ciclo vicioso do pensar. Uma atitude como essa pode ser interpretada como o próprio pensamento procurando reprimir os pensamentos. Temos aqui então o jogo do cachorro correndo atrás do rabo. Reprimir os pensamentos, portanto, não nos levará a lugar algum, e no máximo pode significar apenas que continuamos pensando. 

Existe um aspecto importante a ser considerado nesse contexto: - precisamos romper com o processo do vir a ser, ou seja, nos libertarmos da tendência ou marca mental de querermos construir um futuro a partir da experiência do passado. Este hábito pernicioso, repetido a milênios, não nos deixa ancorar no presente, e terminamos por viver uma vida ilusória, virtual, presos entre a recordação do passado e a ansiedade pelo futuro. 

Ao nos libertarmos da tendência mental pelo vir a ser passamos a experimentar a verdadeira espiritualidade: viver a plenitude do momento presente. Para isso é fundamental a prática da plena atenção. Esta é proposta da meditação. Tanto no zazen, quanto em qualquer outro tipo de meditação, utilizamos a respiração com base estabilizadora da mente, a fim de focarmos no momento presente, sem desejarmos alcançar nada. Focamos a atenção na respiração, e caso surjam pensamentos (e certamente surgirão...) a única ação indicada é apenas observá-los, deixando-os ir embora, sem emitirmos nenhum julgamento de valor.   

Neste estado meditativo, não existem objetivos, nem metas, nem busca por experiências espirituais, nem tampouco pela iluminação. Se assim praticarmos, o vazio surgirá naturalmente dentro de nós. Não o vazio niilista do aniquilamento total da consciência, mas, ao contrário, um vazio cheio de plenitude, sem personalismos, nem identidades, que nos torna uno com todas as coisas e seres. 

Tal prática produz silêncio na mente, fazendo-nos perceber que somos algo além da nossa identidade, do nosso eu, das nossas emoções, da nossa mente, dos nossos pensamentos. 

A partir daí, com a prática diária do zazen, passamos cada vez mais a perceber a atuação da natureza búdica em nosso cotidiano. Decisões adequadas em cada instante da nossa vida são tomadas com muito mais freqüência, justamente por que a percepção das coisas e seres já não se encontra mais turvada pelo conteúdo da memória, eivado de pensamentos, idéias e emoções próprias, geradas pelas idéias ilusórias de passado e futuro. 

Assim, pouco a pouco, vamos nos tornando libertos do vir a ser, até que um dia não mais seremos escravos dos automatismos gerados pela forma, sensações, percepções, vontade e consciência. Este o significado mais profundo da reta ação, que nasce da reta compreensão. 

Os frutos dessa prática saciam todos os desejos, inclusive o da auto-realização. Quando aprendermos a nos contentarmos com o que temos, no dizer do Apóstolo Paulo de Tarso, a vida se tornará então apenas um suave movimento. Viveremos nossa existência no mundo com dignidade, equilíbrio e felicidade, mas não mais seremos dominados por desejos a serem alcançados, por ansiedade, saudade, nostalgia, euforia, superioridade, vaidade, orgulho, raiva e rancor, que em verdade são alimentos do ego. Com isso, à medida que o estado de inanição do ego aumenta, a compaixão passa a brotar espontaneamente em cada passo da jornada, tornando-se o combustível das nossas vidas. A partir daí, tudo que fizermos será em benefício e felicidade de todos os seres. 

Assim, libertos da ilusão do sofrimento provocada pela Matrix do ego, apenas nos deixaremos levar pelo curso do suave movimento da vida, agora transformada em Graça que flui de todos os seres, inclusive de nós mesmos.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O ar da Graça


De cócoras, 
à beira da estrada, 
vivia mordiscando dias.   

Os pés, 
antigas raízes, 
ainda sustentavam 
a finura do caule.   

O olhar presente
afagava a espessura das palavras, 
esticava a sombra da compreensão, 
sorvia a plenitude do vazio. 

Aprendera o idioma das águas, e 
com o rio, conversava fluindo, 
num misto de corredeira 
e moinho.   

Sabia soletrar 
o sábio tamborilar da chuva no telheiro, 
e na cachoeira do silêncio, 
doía-lhe o som das lágrimas 
derramadas pelo mundo inteiro.   

Do chão das horas, 
as mãos apanhavam
formigueiros de idéias, e 
construíam fornos de barro 
para assar a rotina diária.   

De tanto beber orvalho da manhã 
em folhas sedentas de sol, 
todas as vezes que chorava 
vertia estrelas.   

Conhecia o sabor amargo 
da mais valia dos homens, e 
por isso, embriagava-se 
com a doçura da sem valia.   

Para ele, 
0 que valia mesmo 
era sentir 
a pena da asa de um pintassilgo, 
fazendo escarcéu de alegria 
no ninho dos dedos. 

A natureza 
lhe roubara a lucidez infernal 
da urbanidade.   

Em troca, 
ganhara a loucura divina,
para alguns miragem,
de ser parte integrante 
da paisagem, 

de ser apenas 
um tecido atento,
feito com a percepção 
de cada momento,   

eternidade estendida
no varal do instante
que passa,  
tremulando livremente,
ao sabor do ar da Graça.

© Who

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Vivendo a plenitude de cada instante


        Neste último dia do ano, a maioria das pessoas no mundo inteiro busca dar sentido às suas vidas, por meio da esperança em um novo ano que se aproxima. Grande parte reflete sobre os acontecimentos passados, vivenciados ao longo do ano de 2008, na intenção de planejar as ações futuras para 2009. Sob a influência ilusória da mente pequena (mente-ego) e seus condicionamentos, analisamos o que fizemos de acordo com a visão dualística do certo e do errado, e estabelecemos metas para o ano vindouro.

Dessa maneira, entra ano e sai ano, vamos tocando nossas vidas, num automatismo inconsciente, buscando no passado inspiração para o futuro, e mesmo assim não logramos alcançar a felicidade. Ao final de cada ano, o resultado dessa infrutífera contabilidade de propósitos, traduz-se na percepção de insatisfação, incompletude, infelicidade, sofrimento.

Em verdade, poucos de nós nos lembramos de viver o momento presente, aqui e agora. Não percebemos que desenvolver a plena atenção em cada momento de nossas vidas, é a chave para nos libertarmos dessa ilusória realidade virtual criada pelo ego, e assim podermos ter a experiência direta da felicidade, que por sinal, sempre esteve presente em nós.

Alguns seres iluminados que se manifestaram na dimensão física do planeta Terra, experimentaram a unicidade da vida, superando a ilusão da impermanência que nos rodeia. Foram além da Matrix ilusória criada pela mente-ego, e dissolveram as dualidades da vida na plenitude do Ser.

Para isso, utilizaram-se da correta compreensão de que o homem, em essência, é perfeito, e, em sendo assim, o universo inteiro está contido nele. Portanto, não existem desejos, nem expectativas de ganho, pois tudo que está fora já existe no Ser.

Por meio, tanto da atitude quanto da compreensão correta, desenvolveram uma tecnologia eficiente e eficaz de observação de si mesmos, baseada na plena atenção em tudo que se faz, sem deixar que as recordações do passado ou a ansiedade pelo futuro perturbem a quietude da mente do observador.

Aplicando essas práticas em suas próprias vidas, estes seres transbordantes de compaixão, traçaram com suas pegadas luminosas um auspicioso caminho que, se trilhado com o esforço correto, conduz à percepção direta do Ser ao dissolver a ilusão da mente-ego e suas dicotomias, geradoras do sentimento de separatividade, base de todo o sofrimento humano.

Um desses seres, Sidarta Gautama, o Buda, estruturou seus ensinamentos a partir de quatro princípios por ele denominados de quatro nobres verdades que, mais do que crenças religiosas, expressam ações a serem realizadas pelo buscador: 1 - compreender de forma correta o sofrimento; 2 - por meio da compreensão correta abrir mão das origens do sofrimento; 3 - livre dos grilhões da origem do sofrimento, ou seja, do desejo ou anseio egoísta, alcançar a cessação do sofrimento; 4 - ao experimentar, mesmo que por um momento fugaz, a bem aventurança da ausência de sofrimento, decorrente da observância das três nobres verdades anteriores, torna-se necessário cultivar o nobre caminho óctuplo (visão correta, intenção correta, discurso correto, conduta correta, correto viver, esforço correto, correta atenção, concentração correta), verdadeiro programa de tratamento prescrito por Buda a fim de curarmos definitivamente a doença ilusória do sofrimento que assola o ser humano - a busca febril pela satisfação do ego.

Nos séculos que se seguiram após Buda, esse tratamento foi ministrado com uma roupagem religiosa denominada Budismo, mas, conseguiu manter sua proposta inicial de um caminho para libertação do sofrimento. Em verdade, assemelha-se muito mais a um método ou treinamento universal, a ser praticado de forma diária e constante, por qualquer buscador interessado na verdade, independente de crenças ou condicionamentos religiosos.

E um dos grandes expoentes na divulgação desse caminho foi o mestre zen japonês Eihei Dogen zenji (1220-1253). Ardoroso praticante e divulgador da shikantaza – a prática de viver plenamente cada momento – Dogen zenji dizia: “Quando não temos expectativa alguma, podemos ser nós mesmos. Essa é nossa maneira, nosso caminho, viver plenamente cada momento do tempo”. Para ele, o zazen – a prática de sermos nós mesmos – devia ocorrer em todos os instantes da vida cotidiana do buscador, e não apenas nos momentos em que nos sentamos para meditar.

Assim, nesta época de final de ano, em que dominam dolorosas reflexões do passado e incertas expectativas sobre o futuro, compartilho abaixo com vocês, o primeiro texto escrito pelo mestre Dogen zenji , o Fukanzazengi - uma recomendação universal sobre o Zazen - onde ele explica o significado do zazen e como praticá-lo.

Na procura incessante por uma saída da Matrix, este foi um dos textos que trouxeram quietude à mente e ao coração, transformando completamente minha compreensão sobre o caminho, a busca e o buscador.

Que em 2009 e em todos os anos vindouros, possam todos os seres se libertarem da ilusão do sofrimento, vivendo cada momento presente com plena atenção e correta compreensão.

Belo Horizonte, 31/12/2008.

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FUKANZAZENGI

Mestre Dogen

Tradução: Marcos Beltrão

http://www.marcosbeltrao.net/

Agora, quando traçamos a fonte do caminho, descobrimos que é universal, e que é absoluto. Torna-se desnecessário distinguir entre “prática” e “iluminação”. O ensinamento supremo é livre, então porque deveríamos estudar os meios de o atingir? O caminho está, não é necessário dizê-lo, muito longe da ilusão. Porque, então, ficar preocupado com os meios de eliminar a ilusão?

O caminho está completamente presente onde estás, então do que adiantam prática e iluminação? Contudo, o fato é que se houver a menor diferença, desde o começo, entre você e o caminho, o resultado será uma separação maior ainda que aquela entre o céu e a terra. Se surgir o menor pensamento dualista, perderás tua mente de Buda. Por exemplo, algumas pessoas estão orgulhosas de suas compreensões, e acham que estão ricamente agraciadas com a sabedoria do Buda. Crêem que já ganharam o caminho, iluminaram suas mentes, e ganharam o poder de tocar os céus. Crêem que estão perambulando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o caminho absoluto, que está além da iluminação mesma.

Devemos prestar atenção de que mesmo o Buda Shakyamuni praticou Zazen durante seis anos. Dizem que Bodidharma teve que praticar zazen no Templo Shao-lin durante nove anos para poder transmitir a mente-de-Buda. Já que estes sábios de antanho eram tão diligentes, como podem os praticantes do dia presente deixarem de praticar o zazen? Devemos parar de correr atrás de palavras e letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Ao fazermos isso, nosso corpo e mente naturalmente cairá fora, e nossa natureza original de Buda aparecerá. Se desejarmos realizar a sabedoria do Buda, devemos começar a praticar imediatamente.

Ao fazermos zazen, é desejável que tenhamos um quarto calmo. Devemos ser moderados no comer, beber, deixando de lado todo relacionamento delusivo. Deixando tudo de lado, não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado. Assim, tendo detido as várias funções da mente, desistamos mesmo da idéia de nos tornar Buda. Isso vale não apenas para o zazen, mas para todas as ações diárias.

Geralmente um acolchoado quadrado é colocado no chão onde sentamos, e em cima disso é colocada uma almofada redonda. É possível sentar, seja na posição de lótus, ou de meio-lótus. Na primeira, se coloca o pé direito na coxa esquerda, e em seguida se coloca o pé esquerdo na coxa direita. Nesta última, apenas se coloca o pé esquerdo na coxa direita. As roupas devem ser do tipo folgadas, mas bem arrumadas. Em seguida, coloca-se a mão direita no pé esquerdo, e a palma esquerda em cima da mão direita, com as pontas dos polegares se tocando de leve. Sentemo-nos perfeitamente eretos, nem inclinados para a esquerda, nem para a direita, nem para frente, nem para trás. Nossos ouvidos devem estar no mesmo plano que nossos ombros e os nossos narizes alinhados com o umbigo. A língua deve estar colocada contra o céu da boca, e os lábios e dentes firmemente cerrados. Com os olhos continuamente mantidos abertos, devemos respirar calmamente pelas narinas. Finalmente, tendo regulado corpo e mente desta forma, tomemos uma respiração profunda, movamos nosso corpo para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, e então, devemos sentar firmemente quanto um rochedo. Pensemos no não-pensar. Como assim? Pensando além do pensar e do não-pensar. Esta a base mesma do zazen.

O zazen não é “meditação passo-a-passo”. Ao invés é tão somente a agradável e fácil prática do Buda, a realização da sabedoria do Buda. Eis que aparece a verdade, não mais havendo ilusão. Se isto chegarmos a entender, estaremos completamente livres, como um dragão que obteve água, ou um tigre reclinado na montanha. A lei suprema aparece sozinha, e eis que nos acharemos por completo, libertos de todo tipo de cansaço, bem como de qualquer tipo de confusão.

Ao terminar o zazen, devemos mover levemente o corpo, vagarosamente, e nos levantar calmamente. Não nos devemos levantar ou mover violentamente ao término do zazen.

Com a força do zazen, se torna possível transcender a diferença entre o “comum” e o “sagrado” e podemos ganhar a habilidade de morrer enquanto fazendo zazen ou enquanto de pé. Além do mais, é perfeitamente impossível para nossa mente discriminativa, compreender, seja como os Budas e Patriarcas procuravam exprimir a essência do Zen a seus discípulos, com o dedo, vara, agulha ou martelo, ou como eles passavam a iluminação com um hossu*, punho, bastão, ou grito. Nem pode este assunto ser captado através de poderes sobrenaturais, ou através de uma visão dualística da prática e iluminação. O zazen é a prática além dos mundos objetivos e subjetivos, além do pensamento discriminativo. Portanto, não se deve discriminar entre o inteligente e não-inteligente. Praticar o caminho de todo o coração, é isto mesmo, a iluminação em si. Não existe separação entre prática e iluminação, ou entre zazen e vida cotidiana.

Os Budas e Patriarcas, tanto neste país quanto na Índia e na China, preservaram cuidadosamente a mente de Buda e incentivaram assiduamente o treinamento Zen. Devemos, pois, nos devotarmos completa e exclusivamente, isto é, estarmos completamente absortos na prática do zazen. Apesar de ser dito que existem muitas formas de compreender o Budismo, eis que devemos fazer apenas o zazen, e nada mais. Não existe qualquer razão para deixarmos nosso assento de meditação e fazermos fúteis viagens a outros países para buscarmos isto. Se nosso primeiro passo estiver errado, imediatamente tropeçaremos.

Tivemos já a boa sorte de termos adquirido este precioso nascimento com o corpo humano, então tratemos de não mais desperdiçarmos nosso tempo à toa. Agora que sabemos o que é a coisa mais importante no Budismo, como possivelmente poderíamos ficar satisfeitos, ou contentes, com o mundo transiente? Nossos corpos são como o orvalho nas relvas, e nossas vidas como o lampejo do raio, que num só momento se vai embora.

Sinceros praticantes do Zen, não fiquem nem um pouco surpresos por um dragão de verdade, ou gastem muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante. Se esforcem no caminho que indigita diretamente nossa natureza de Buda original. Respeitem aqueles que já ganharam o conhecimento completo, e que nada mais têm a fazer. Tornem-se uma só coisa com a sabedoria dos Budas e sucedam à iluminação dos Patriarcas. Eis que se fizermos o zazen durante certo tempo, isto tudo seremos capazes de realizar. A casa do tesouro então se abrirá automaticamente, e seremos capazes de gozá-la o quanto quisermos.

* Hossu: abanador de moscas ou insetos.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Liberdade



Estou em viagem de férias. Após dez dias de sol e calor nas praias de Natal/RN, enfrento agora a chuva e o frio em Belo Horizonte, a bela capital mineira.

Escrevo, enquanto lá fora as gotas de água, de forma simples e natural, realizam a função para a qual foram criadas.

A chuva, ao cair sobre a terra, não quer nada em troca.

Não busca alcançar algo e, por isso, não sofre com o anseio do ganho.

Não pensa nos benefícios da sua ação, nem tampouco nas coisas que serão beneficiadas por ela.

Não se acha diminuída por reverenciar homens e animais, lavando-lhes e refrescando-lhes os pés em forma de riachos e fontes.

Em sua expressão líquida, está presente em tudo e nem por isso se vangloria da Natureza.

Não deseja ser importante, nem tampouco especial.

Apenas cai de forma livre, sem condicionamentos, e graças a essa liberdade a vida brota sobre a terra...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Ir Real


Desperto do sonho de viver. O real
É como um espectro que vaga em mim,
E sem rumo, navego o mar do (ir)real,
Instigante, misterioso e sem fim.

Ergo o véu da rotina, e meu olhar,
Cansado do finito, atrai o céu
Enquanto a terra segura, de além mar,
Zomba de mim, barco á deriva, ao léu.

Brada o corpo inconsútil a súplica:
Ó terra, devolva-me às estrelas
Pois a mim essa vida não se aplica.

Sou (ir)real. Sou (ir)real. Não existem formas
Que me caibam assim tão vago e aflito.
Quero espedaçar-me contra o infinito.

© Who – Brasília/DF

domingo, 9 de novembro de 2008

Mente de Principiante


"Há muitas possibilidades na mente do principiante, mas poucas na do perito."

As pessoas dizem que é difícil praticar Zen, mas há um mal-entendido quanto ao "porquê". Não é difícil porque seja árduo sentar-se de pernas cruzadas ou atingir a iluminação. É difícil porque é árduo manter a mente pura ou a prática pura em seu sentido fundamental. A escola Zen desenvolveu-se de muitas maneiras depois de estabelecida na China mas, ao mesmo tempo, tornou-se cada vez mais impura. Contudo, não é sobre o Zen chinês ou sobre a história do Zen que eu quero falar. O que me interessa é ajudar você a manter sua prática livre da impureza.

No Japão, dispomos do termo shoshin, que significa "mente de principiante". O objetivo da prática é conservar nossa "mente de principiante". Suponhamos que você recite o Prajna Paramita Sutra uma só vez. Poderia ser uma boa recitação. Mas o que lhe acontecerá se o recitar duas, três, quatro ou mais vezes? Você poderia facilmente perder sua atitude original em relação a ele. O mesmo acontecerá com suas outras práticas Zen. Por algum tempo você manterá sua mente de principiante, porém, se continuar a prática um, dois, três anos ou mais, embora você possa melhorar em alguns aspectos, é possível que perca o sentido ilimitado da "menteoriginal".

Para os estudantes do Zen, o mais importante é não serem dualistas. Nossa 'mente original" inclui em si todas as coisas. Ela é sempre rica e auto-suficiente. Você não deve perder esse estado mental auto-suficiente. Isto não significa uma mente fechada e sim, na verdade, uma mente vazia e alerta. Se sua mente está vazia, está pronta para qualquer coisa; ela está aberta a tudo. Há muitas possibilidades na mente do principiante, mas poucas na do perito.

Se você discrimina demais, você se limita. Se é exigente ou ambicioso em excesso, sua mente não é rica nem auto-suficiente. Se nossa mente perder sua auto-suficiência original, todos os preceitos se perderão. Quando sua mente se torna exigente, quando você anseia por algo, você acaba por violar os preceitos: não mentir não roubar; não matar, não ser imoral e assim por diante. Se você conservar sua mente original, os preceitos se manterão por si próprios.

Na mente do principiante não há pensamentos do tipo "eu alcancei algo". Todos os pensamentos egocentrados limitam a vastidão da mente. Quando não alimentamos pensamento nenhum de conquista, nem pensamentos egocentrados, somos verdadeiros principiantes e podemos então aprender alguma coisa de fato. A mente do principiante é mente de compaixão. Quando nossa mente é compassiva, torna-se ilimitada. O mestre Dogen, fundador da nossa escola, sempre enfatizou a importância de preservar nossa mente original ilimitada. Com ela somos verdadeiros conosco, estamos em comunhão com todos os seres e podemos, de fato, praticar.

Assim, a coisa mais importante é manter sua "mente de principiante". Não há necessidade de ter uma profunda compreensão do Zen. Mesmo que você leia muita literatura Zen, deve ler cada frase com uma mente virgem. Nunca deve dizer: "Eu sei o que é Zen' ou "eu atingi a iluminação". O real segredo das artes também é esse: ser sempre um principiante. Seja muito cuidadoso nesta questão. Se começar a praticar zazen, você começará a valorizar sua mente de principiante. Este é o segredo da prática do Zen.


Extraído do livro Mente Zen, Mente de Principiante - Shunryu Suzuki