domingo, 15 de fevereiro de 2009

O ar da Graça


De cócoras, 
à beira da estrada, 
vivia mordiscando dias.   

Os pés, 
antigas raízes, 
ainda sustentavam 
a finura do caule.   

O olhar presente
afagava a espessura das palavras, 
esticava a sombra da compreensão, 
sorvia a plenitude do vazio. 

Aprendera o idioma das águas, e 
com o rio, conversava fluindo, 
num misto de corredeira 
e moinho.   

Sabia soletrar 
o sábio tamborilar da chuva no telheiro, 
e na cachoeira do silêncio, 
doía-lhe o som das lágrimas 
derramadas pelo mundo inteiro.   

Do chão das horas, 
as mãos apanhavam
formigueiros de idéias, e 
construíam fornos de barro 
para assar a rotina diária.   

De tanto beber orvalho da manhã 
em folhas sedentas de sol, 
todas as vezes que chorava 
vertia estrelas.   

Conhecia o sabor amargo 
da mais valia dos homens, e 
por isso, embriagava-se 
com a doçura da sem valia.   

Para ele, 
0 que valia mesmo 
era sentir 
a pena da asa de um pintassilgo, 
fazendo escarcéu de alegria 
no ninho dos dedos. 

A natureza 
lhe roubara a lucidez infernal 
da urbanidade.   

Em troca, 
ganhara a loucura divina,
para alguns miragem,
de ser parte integrante 
da paisagem, 

de ser apenas 
um tecido atento,
feito com a percepção 
de cada momento,   

eternidade estendida
no varal do instante
que passa,  
tremulando livremente,
ao sabor do ar da Graça.

© Who

3 comentários:

Anônimo disse...

quem é o autor?

Who disse...

O autor é o próprio Who, idealizador do blog.

Anônimo disse...

Parabéns,muito bom.