Conheci Chico Xavier pela primeira vez quando ainda era muito jovem. Em todas as três vezes que estive com ele, uma profunda transformação interior se processou em mim. Chico era como um poderoso dínamo de forças, que induzia quem dele se aproximava a voltar-se para dentro de si e reavaliar sua vida.
Havia algo nele que cativava à primeira vista. Pessoas de todas as crenças, religiões, camadas sociais, raça ou cor que o visitavam, se rendiam ao influxo do amor e humildade incondicionais que dele exalavam, através do seu gesto de carinho, do seu olhar compassivo, de sua palavra sempre amiga e orientadora, da sua paciência e generosidade, da sua renúncia irrestrita em favor da mitigação da dor alheia. Perto de Chico, a mente se aquietava e uma intensa sensação de paz preenchia o vazio dos corações, insuflando otimismo e esperança, lenitivos para a dor da perda e da desesperança.
Hoje, sua obra de amor e doação integral ao próximo está em alta nas mídias de todo país e do mundo. A reedição das obras mediúnicas veiculadas por seu intermédio, a publicação de dezenas de livros sobre sua obra de amor, e a exibição de uma ínfima parcela de sua intensa e prodigiosa existência nas telas do cinema, têm nos feito redescobrir o homem Chico Xavier.
Sim. Por que Chico, antes de mito, como alguns querem transformá-lo, é um ser que viveu na vida física, o ápice do potencial de humanidade que cada um de nós traz em seu íntimo, à espera do nosso despertar. Sua trajetória terrena, integralmente percorrida pelos caminhos da compaixão e do amor, é um hino de esperança e confiança no homem, contrariando os pessimistas de plantão, e mostrando que é possível a construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais equânime, ainda nesta vida terrena.
Na primeira vez em que o visitei, uma fila enorme serpenteava pelo lado externo da casa simples que o abrigava em Pedro Leopoldo. Estávamos no último dia do ano de 1983, e uma leve e fina garoa refrescava-nos o calor do verão, naquela paisagem tipicamente mineira, dominada pelas Alterosas azuis.
Chico residia em Uberaba e costumava passar os finais de ano em sua cidade natal, e, eu, naquela época, como participante de um grupo de jovens espíritas da cidade de Belo Horizonte, estava ali, cheio de juvenil expectativa para encontrar o mundialmente famoso médium mineiro.
Quando nos aproximávamos da porta de entrada da pequena sala, onde Chico, assentado, atendia pacientemente a todos, percebi-lhe imediatamente as dificuldades físicas com o lado esquerdo do corpo, certamente decorrentes da angina que àquela altura já lhe era companheira constante. Embora fosse visível seu esforço para se manter acomodado na poltrona simples, ele parecia alheio ao próprio sofrimento físico. Bem humorado, era solícito com todos que se lhe aproximavam, respondendo às perguntas e apelos que lhe eram endereçados com a gentileza e a atenção que lhe eram peculiares. Suas palavras, sorrisos, gestos e olhares eram expressões do mais puro amor e carinho.
Olhava-o agora bem de perto, e senti-me profundamente envergonhado. Conquanto eu fosse ainda muito jovem, percebia nitidamente o imenso abismo entre minha vida, cheia de preocupações e expectativas de conquistas pessoais, e a existência até ali septuagenária daquele médium, que se dedicara exclusivamente ao bem estar do próximo. Estava diante de um homem que não tivera tempo de cogitar nem tampouco realizar nada para si mesmo, pois, a dor e o sofrimento alheios, continuadamente lhe cobravam a dedicação de todo o seu tempo disponível.
E todos nós, ali presentes, preocupados em sermos por ele atendidos em nossas necessidades, mais íntimas e urgentes, parecíamos alheios às necessidades do homem Chico Xavier. Dele, sugávamos tudo, até mesmo as energias, que o médium, no cumprimento de sua missão, nos doava de forma incontinenti.
No entanto, apesar das calúnias e injustiças sofridas ao longo da vida, de sentir no imo do coração compassivo a intensidade da dor alheia, de nunca ter nutrido nenhuma aspiração para si, Chico transparecia uma felicidade inabalável e contagiante. Naquele instante, a constatação desse fato abalaria profundamente minhas concepções juvenis acerca do sentido da vida, e mudaria para sempre os rumos e aspirações da minha busca.
Sentia intuitivamente que aquele homem alquebrado, que escondia a própria grandeza espiritual por detrás da simplicidade e da humildade, queria nos dizer, através do seu exemplo, que a felicidade duradoura não estava na satisfação dos desejos individuais. Ao contrário, se quiséssemos ser felizes tínhamos de nos esforçar para absorver o ego no Ser interior, deixando que a essência e não a aparência governasse nossas vidas.
Chico nos indicava um roteiro para alijarmos de nós o egoísmo, raiz de todos os males: o caminho da doação incondicional em favor do próximo. O exercício diário e contínuo da compaixão desloca o centro das relações entre os seres do “eu” para o “outro”. Com isso o querer individual cede lugar à preocupação com o bem estar alheio. Já não interessa mais o desejo pessoal e sim a necessidade do outro. A compaixão consome as diferenças entre “eu” e o “outro” no fogo do amor ao próximo.
A atitude compassiva e generosa daquele homem, ao longo de toda sua vida, havia consumido-lhe a escuridão do ego, e o que víamos ali, diante de nós, era o brilho radiante de sua luz interior, que como um sol acolhia indistintamente a todos que dele se aproximavam.
Finalmente, estava a poucos passos do médium. Duas pessoas me separavam do Chico. Em instantes falaria com ele, e nada me vinha à mente. Havia preparado mais de uma questão para quando estivesse com ele. Porém, ali, naquele instante, eu não me lembrava de nenhuma delas. Também não sentia mais necessidade de indagar qualquer coisa. Era como se todas as minhas dúvidas tivessem se esvanecido durante as profundas reflexões experimentadas ao longo do trajeto daquela enorme fila. Sentia-me estranhamente feliz, de uma forma ainda não experimentada, até então.
Uma das pessoas à minha frente era uma senhora idosa que carregava um belo quadro do médium, pintado a óleo. A autora com uma fisionomia radiante de felicidade entregou o quadro a Chico, dizendo-lhe da imensa satisfação e alegria que tivera em poder retratá-lo naquela pintura. O médium sorriu com a pureza e ingenuidade de uma criança, e em sua desconcertante humildade, que em momento algum dava brechas ao ego, disse para regozijo geral: - "Obrigado... Muito obrigado! Quero dizer-lhe, minha querida amiga, e todos haverão de concordar, que o quadro ficou infinitamente melhor do que o original". Sorrimos todos, diante de mais uma lição daquela alma pura e sensível.
A próxima da fila era uma amiga integrante do grupo de jovens espíritas ao qual eu pertencia. Ao chegar próxima do médium, e notando-lhe a dificuldade física, já que ele mal conseguia ficar sentado, a jovem tentou agachar-se diante dele no intuito de facilitar-lhe a conversação. Percebendo-lhe o gesto, e não querendo ficar numa posição física superior à jovem, que pudesse denotar qualquer sentimento de adoração, Chico rapidamente segurou-lhe as mãos e com imensa dose de humor e doçura disse-lhe: - "Minha filha, não faça isso... Se você se agachar, eu deito..." Mais uma vez sorrimos todos diante daquela espontânea demonstração de fraternidade, que iguala todos os seres na dimensão da centelha divina que reside em nós.
A jovem conversou ainda um pouco mais com Chico, e despediu-se. E de repente lá estava eu, ao lado do médium, segurando-lhe as mãos, e com os lábios emudecidos pela emoção. Ele olhou-me fixamente nos olhos como que sondando meu íntimo de modo gentil e amoroso. Após alguns segundos, Chico me disse carinhosamente: - “Que bom que vieste meu filho... Por vezes, em épocas como esta, em que se comemora a chegada de um novo ano, lembro-me sempre dos que nada têm... Órfãos de amor perambulam pelas ruas e periferias das cidades do mundo, à espera de inaugurarmos para eles, com o nosso concurso fraterno e amoroso, uma nova etapa em suas vidas sofridas, onde a luz da esperança brilhe na escuridão da dor...".
Não pude conter a emoção que invadia meu coração naquele momento, e duas longas gotas de lágrimas rolaram pela minha face... Consegui apenas agradecê-lo e pedir que o Criador o abençoasse. Enquanto agradecia-lhe, Chico segurava e apertava firmemente minhas mãos.
Saí da sala singela e dirigi-me ao jardim da casa, onde debaixo de um caramanchão florido, chorei copiosamente. Ali, sozinho comigo mesmo, verti o pranto da dúvida, até a última gota. Não havia mais questionamentos, nem tampouco incertezas. Esvaziei-me da desesperança e tornei-me pleno do sentido da vida, que tão ansiosamente buscava em meus arroubos juvenis. O amor daquele homem notável reconectara-me com minha essência. De modo significativo, logo nos primeiros minutos daquele ano novo, embora ainda muito jovem, sentia-me renascer
Tempos depois, pude compreender melhor aquelas sábias e visionárias palavras de Chico, ao experimentar no imo do coração a felicidade anônima de servir ao próximo, não apenas nas atividades da casa espírita, mas, e principalmente, na vivência diária.
Mais tarde, já de madrugada, Chico recebeu o nosso grupo de jovens para um encontro mais íntimo, o qual não tínhamos intenção de prolongar em razão do seu estado de saúde. A razão para aquele pedido do Chico residia no fato de que a mentora espiritual da nossa mocidade espírita era sua mãe, Maria João de Deus. Transcorridos alguns minutos de conversação com o querido médium, encontrávamos-nos envolvidos por uma sublime atmosfera espiritual que aquecia nossas mentes e corações, fazendo-nos esquecer o frio das horas iniciais do ano novo que chegara. Foi quando Chico, em sua emoção inesgotável com relação a tudo que lembrasse sua querida mãe, pediu-nos que cantássemos para ele o hino do nosso grupo, dedicado à sua progenitora. Ao som das nossas vozes juvenis embaladas pelos acordes de um violão, ele acompanhou o cântico visivelmente emocionado, e, ao final, lembro-me ainda de sua voz, embargada pelo pranto de eterna gratidão à sua mãe, a nos dizer: - “Eu pedi a ela (Maria João de Deus) a esmola da vida, e ela me deu um tesouro que são todos vocês...”
Naquele momento, em meio ao silêncio e à quietude daquela madrugada fria de Pedro Leopoldo, choramos todos de alegria, experimentando, na presença daquele ser iluminado, um pouco das bem-aventuranças expressas na mensagem dos grandes avatares que visitaram a terra, como Buda e Jesus.
Penso que a grande mensagem de Chico Xavier foi escrita com os atos de sua própria vida. Ao doar-se integralmente ao outro, esquecendo de si mesmo, e preocupando-se apenas com a felicidade alheia, ele nos assinalou um difícil e ao mesmo tempo auspicioso roteiro para romper os grilhões do ego e alcançar a iluminação ou o conhecimento de si mesmo: - o caminho do amor ao próximo.
Tenho por mim que existem seres que vêm ao mundo para serem a prova viva de que a essência do homem é amor. Chico Xavier, certamente, é um deles.